Li em algum lugar que um cidadão francês, antes de se suicidar, deixou um bilhete explicando o seu gesto: "Estou cansado de abotoar e desabotoar os botões de minhas calças". Evidente que ainda não haviam inventado o zíper.
Outro cidadão francês, este de ficção, ao tirar as calças antes de dormir, descobriu que estava "na idade da razão" (estou citando Sartre, primeiro volume da trilogia, "Os Caminhos da Liberdade").
Vargas deixou uma carta, Raul Pompeia um aviso. Ambos alegaram motivos de honra, o presidente por causa da uma crise política, o escritor por causa de uma infâmia que publicaram contra ele. Em compensação, não consta que Judas tivesse dado qualquer explicação pelo fato de se enforcar: não chegou a aproveitar os 30 dinheiros de sua traição.
Já citei por aí um conto de Gorki em que dois vagabundos moram num quarto miserável. Um deles sai para fazer qualquer coisa na rua. Quando volta, encontra o companheiro pendurado numa corda. Antes de se enforcar, deixou um bilhete dizendo que lhe "faltara um truque" para continuar vivendo.
Werther matou-se porque se apaixonara pela mulher de seu melhor amigo. Anna Karênina atirou-se à frente de um trem porque abandonara o marido e sentia falta de seu filho. Luíza, de Eça de Queiroz, também se matou por causa de seu primo Basílio e estava sendo chantageada pela empregada. Isso tudo sem falar em Emma Bovary, que se envenenou com as drogas medicinais de seu marido, o médico Carlos Bovary. Seus motivos foram além do adultério, sem saber, ela criou o que hoje chamamos de bovarismo.
Comerciantes falidos, amantes traídos, artistas fracassados também recorrem à solução extrema. "Tudo vale a pena se a alma não é pequena" (Fernando Pessoa).
Folha de São Paulo, 10/1/2012