Outro dia, usei em crônica meio atrapalhada a palavra “alhures”. Juro perante Deus que nos há de julgar que foi a primeira vez em muitos anos de crônica e só não foi a última porque a estou usando outra vez neste texto em que dou uma explicação que não me foi pedida.
Tive um amigo que quis processar Jacqueline Kennedy quando ela se casou com o milionário grego Onassis. Escreveu um livro sobre o assunto e me pediu que o encaminhasse ao editor Ênio Silveira, da antiga Civilização Brasileira. E ameaçou: “Se ele não quiser publicar o meu livro, eu o publicarei alhures!”.
No momento, eu fiz um exame de consciência (coisa rara em mim) para saber se havia alguma editora com esse nome: “Alhures”. Telefonei para o Sindicato dos Editores e Livreiros, lá o Alfredo Machado, que era o presidente, disse que não, era um nome muito complicado para qualquer editora.
Só então desconfiei do verdadeiro significado da palavra. Este emocionante lance de minha biografia teve replay mais tarde, quando colaborava com JK na redação de suas memórias. Ele narrava para mim um episódio de sua vida, chegara em casa cansado e a desoras. Eu entendi dez horas e foi assim que coloquei no texto final.
Fiel à sua autobiografia, JK me corrigiu, dizendo que naquela noite chegara em casa às 4 h da madrugada, daí que perderia um compromisso para aquela manhã. Eu reclamei, alegando que ouvira ele dizer “dez horas”, mas só então percebi que ele queria dizer “desoras” – acho que qualquer hora depois da meia-noite. Não disse nada, apenas corrigi o texto, como me competia.
De maneira que alhures e desoras (e algumas outras palavras que evitarei citar) entraram no meu modesto vocabulário por caminhos que não dignificam a minha escolaridade.
Jornal do Commercio (RJ), 23/7/2009