Chegam-nos algumas perguntas sobre o emprego e não emprego do hífen, a que agora iremos responder. A primeira indagação: “Devo grafar zigue-zague ou ziguezague?”
A questão é muito importante e oportuna, porque os sistemas ortográficos desde sempre não se têm debruçado sobre a escrita dessas formas, em geral palavras expressivas e onomatopaicas (ou onomatopeicas), com que procuramos reproduzir vozes de animais ou sons de objetos. São palavras compostas constituídas de dois elementos mórficos, como a que se acha exemplificada pelo substantivo que motivou a dúvida do leitor.
Antes do novo Acordo Ortográfico, se consultássemos os dicionários de língua portuguesa elaborados no Brasil e em Portugal, iríamos encontrar ziguezague, zunzum, lengalenga, ao lado de cri-cri, zás-trás, reco-reco e pingue-pongue. É fácil perceber que estamos diante do capítulo ortográfico do hífen; o Acordo de 1990 nos deu a chave da questão quando, na Base XV, recomendou o hífen nos compostos de dois substantivos não separados por qualquer elemento (conjunção ou preposição). Estão neste caso os exemplos acima, nos quais cada elemento constitutivo é integrado por um substantivo que designa o nome do som do objeto ou a voz do animal.
Por isso, o VOLP uniformizou escrevê-los com hífen, na firme obediência ao texto legal: zigue-zague, zum-zum, lenga-lenga, zás-trás, etc. Para acompanhar a lição dos dicionários, que não hifenavam as formas derivadas flexionadas de tais substantivos compostos (como cricrilar, ziguezaguear, ziguezagueamento, ziguezagueante), a equipe técnica do VOLP optou por não recomendar o hífen nessas formas, e assim também procedemos nos livros de nossa autoria sobre o novo Acordo. Exame posterior nos levou a reexaminar a questão, porque alguns leitores estranharam – e para tanto nos consultaram – a possível incoerência de escrever, por exemplo, ‘zigue-zague’ ou ‘lenga-lenga’ hifenados, mas aceitar, não hifenados, derivados deles, do tipo de ‘ziguezaguear’ e ‘lengalengar’. Abria-se para os ortógrafos não mais uma norma de emprego do hífen, mas uma questão de teoria da linguagem, uma vez que nos derivados das palavras onomatopeicas e expressivas se esmaece o valor simbólico dos fonemas empregados, fazendo com que tais derivados passem a ser encarados como signos não motivados, como os demais do sistema linguístico. E assim passam a submeter-se às normas de derivação e aos fatos morfológicos próprios desses mesmos sistemas. Temos, por exemplo, o composto ‘á-bê-cê’, mas já o derivado normal escrito ‘abecedário’. Aprendemos a lição com o grande teórico suíço Ferdinand de Saussure, pai da linguística moderna. Isto nos leva a compreender e aceitar que de formas hifenadas – ‘zigue-zague’ e ‘lenga-lenga’ – devemos ter ‘ziguezaguear’ e ‘lengalengar’, como formas derivadas.
A dúvida de outro leitor não recai propriamente sobre o hífen, mas sim sobre a divisão silábica de uma forma implementada com o prefixo aglutinado ao elemento primitivo. E cita o caso de “superimportante”: “su-per-im-por-tan-te” ou “su-pe-rim-por-tan-te”? A divisão silábica se faz modernamente, já nas últimas reformas ortográficas, na de 1990 inclusive, na Base XX, pela soletração (bi-sa-vô, de-sa-pa-re-cer, hi-pe-ra-cús-ti-co, etc.), e não pelos elementos constitutivos dos vocábulos pela etimologia (bis-a-vô, des-a-pa-re-cer, hi-per-a-cús-ti-co, etc.). Portanto, a divisão silábica será “su-pe-rim-por-tan-te”. Este foi um dos benefícios trazidos pelas modernas reformas, uma vez que ao usuário comum a forma etimológica quase sempre não lhe é evidente. Como descobrir a formação original de elementos gregos e latinos obscurecidos na grafia de “êxodo”, “desagrado”, e tantos outros. Este dado serve de alerta àqueles que, inimigos de mudanças de hábitos, sempre estão prontos a dizer mal das reformas ortográficas.
O Dia (RJ), 4/3/2012