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Alceu Amoroso Lima e sua empatia pela humanidade

 

Com sua conversão em 1928, sucedendo a Jackson de Figueiredo, ainda mais ocupado e preocupado com o Brasil ficou Alceu Amoroso Lima. De homem de gabinete passou a homem de ação, um grande passo para ele, que se julgava incapaz de dá-lo.


Assume a direção do Centro Dom Vital e da revista A Ordem e funda a Ação Universitária Católica. Faz conferências, pregando a sua nova fé, tendo em vista sempre a cristianização e a catolicização do Brasil, tirando-o do marasmo e de um certo comodismo católico. Não pára mais em sua pregação de reforma, embora com os exageros do cristão novo, mais pela autoridade do que pela liberdade.


Em 1935, ao tomar posse na cadeira nº 40 da Academia Brasileira de Letras, a 14 de dezembro de 1935, sucedendo a Miguel Couto, ressalta que são de duas ordens as funções literárias da Academia: de tradição e de manutenção do que ficou de bom e que mereceu ser conservado; e de criação, de renovação da cultura nacional. Ambas se completam. A ABL não dá nem tira talento a quem quer que seja, sendo, afinal de contas, os próprios acadêmicos, em sua diversidade de temperamento e de vocações, não somente os atuais, mas os de todos os tempos, passados, presentes e futuros.


Acrescenta Alceu que há, sem dúvida, em pequeno número, os tímidos ou hesitantes e os que jamais desejaram candidatar-se à Academia, têm medo de perder a liberdade e receiam assumir compromissos até o fim de seus dias, como num casamento indissolúvel. Esses são indiferentes à Academia, dela não precisam para o maior brilho de sua glória, mas há também os nostálgicos, que aparentam desprezá-la, quando na realidade são apaixonados por ela. A Academia é aquilo que os acadêmicos fazem dela, pois não é uma entidade estática. Nela é possível a convivência de todas as escolas. Cada um é senhor de si e do seu destino intelectual, de suas opções, de suas crenças religiosas, de suas idéias filosóficas, políticas e sociais. Cada qual constrói por si a sua própria fortuna crítica.


Como São Francisco de Assis, Alceu via no amor o caminho para a verdadeira construção da morada do homem, na terra ou na vida eterna. Fez do amor o seu instrumento da crítica, da compreensão e do perdão para todas as criaturas.


Viveu às claras, numa típica transparência de homem de bem. Nunca teve nada a esconder, porque a sua história é quase uma lenda. Dos seus primeiros artigos na Revista do Brasil , em 1916, até os últimos no Jornal do Brasil , em 1983, transcorreram 67 anos de produção ininterrupta, sob qualquer forma de comunicação, em livros, jornais ou revistas, aulas, debates ou conferências.


Grande ledor, devorador de papel impresso, dominando pelo menos cinco línguas vivas, além do latim, manteve-se a par do que de melhor se produziu ou se vinha produzindo no mundo. A minha geração habituou-se, na segunda metade da década de 30, a buscar nos seus livros, notadamente nas cinco série dos Estudos , o ensinamento da cultura nova.


Assistia à santa missa todas as manhãs e, de volta, escrevia longas cartas à filha monja beneditina, abadessa em São Paulo, que lhe respondia semanalmente.


Andarilho habitual, inventor do método Cooper, avant la lettre , deslocava-se nesta cidade do Rio de Janeiro, que tanto amou, de um ponto para outro dos seus compromissos diários, sempre apressado, em passos rápidos, a carregar uma enorme e pesada pasta preta, bojuda e surrada. Logo reconhecido, pouco se detinha, mas para todos tinha um sorriso e uma palavra amável. Homem alegre, sempre renovado, expansivo, paciente e atento, vivia em constante empatia com a humanidade. Sabia-se comprometido com o destino dos humanos, seus irmãos e semelhantes, inteiramente sem pose, pois a simplicidade era o seu natural.


Essa alegria de viver e de estar vivo, esse otimismo e essa confiança na existência estão no cerne mesmo da sua personalidade, decorrendo do seu temperamento saudável, hígido de corpo e de espírito e de sua fé religiosa. A vida é o maior dos bens e, como dádiva de Deus, deve ser amada e não amaldiçoada. O cristianismo não é uma filosofia de tristeza e de morte, como queria Nietzsche. É uma filosofia de alegria e de vida, terrena e eterna, esta prolongando aquela e entre si fazendo uma perfeita unidade.


Assim foi um grande brasileiro, chamado Alceu Amoroso Lima, que em todos os momentos da sua existência, na construção da sua cidade futura - mais humana, realmente cristã, justa e livre - enfrentou em nome de Deus todos os obstáculos que lhe apareceram no caminho.


Nos seus últimos 20 anos de vida, a terceira fase, que chamava a dos acontecimentos - as duas primeiras foram a das formas e a das idéias -, entregou-se ele à denúncia dos abusos e violências de toda ordem, num combate direto contra os atentados à dignidade e à liberdade da pessoa humana. Constituiu-se na consciência viva do seu tempo, merecedor de respeito e de veneração do povo brasileiro, como exemplo inexcedível de grandeza moral e coragem cívica.


A sua presença fez-se carne e sangue e a todos os injustiçados acudiu sempre com a esperança. Continua entre nós e continuará enquanto houver no mundo alguém com sede de justiça e necessitado de amor. ''Onde o despotismo duro cimentava servidões, a sua alegria sonora reclamava liberdade.''




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 08/06/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 08/06/2005