A sociedade costuma tomar conhecimento de crimes e seus respectivos julgamentos, o que se faz em geral de forma ruidosa. Depois, o silêncio. Qual o destino dos internos que se encontram, aos milhares, nos presídios brasileiros? O que fazem para passar o tempo? A educação seria uma forma de, quando de volta à vida comum, cada um deles ter uma chance de resgatar o convívio? O contrário seria na certa regresso à marginalidade, com as suas tristes conseqüências.
No Rio de Janeiro, por iniciativa da Secretaria de Administração Penitenciária e da Secretaria de Estado de Educação, realiza-se um trabalho social de primeiríssima ordem. Há escolas em funcionamento dentro dos presídios e mais oito estão sendo construídas, para propiciar aos internos nada menos de três mil vagas de acesso à educação regular.
Na visita ao presídio Elizabeth Sá Rego, em Bangu, foi possível tomar conhecimento desse esforço, liderado pelo dr. Astério Pereira dos Santos. No prazo recorde de três meses, com materiais produzidos pelos detentos e com os custos (baratos) cobertos pela SEE/RJ, estão sendo erguidas as escolas mencionadas, com o propósito de oferecer à população carcerária a oportunidade de uma educação que lhes faltou, desde cedo. Com uma particularidade assegurada pelos educadores empenhados nesse processo: um ensino de qualidade, com a garantia de um viés profissionalizante. Todos estudarão para ter, ao fim do curso, pelo menos uma profissão que lhes garanta, no futuro, a participação no mercado de trabalho.
Ao lado disso, estão sendo inauguradas diversas salas de leitura. Tivemos a oportunidade de verificar, com os nomes de escritores consagrados, como Antonio Torres, Heloísa Seixas e Guilherme Fiúza, todos presentes à pequena solenidade promovida pelo Instituto Oldembrug. Vivemos momentos de grande emoção quando o interno José de Araújo Lima, de 52 anos de idade, leu o discurso que preparou para a ocasião, ele que dirigirá a primeira Sala de Leitura. Foi uma peça muito bem construída, com a plena consciência da situação em que ele e seus colegas se encontram, mas com a esperança presente da liberdade sonhada, depois de cumpridas as penas determinadas pela Justiça.
Discurso aplaudido
Afirmando que o saber nunca é demais, José de Araújo Lima fez um discurso muito aplaudido, agradecendo a sua designação como responsável pela Biblioteca do estabelecimento penal. Confessou de que modo chegou ao gosto pela leitura: "Foi aos poucos, ato que se tornou atividade diária e, ao mesmo tempo, prazerosa. Quando lemos vivenciamos fatos reais ou fictícios das personagens, situações que nos emocionam, pois os bons livros sempre enaltecem as boas virtudes do ser humano."
Aprovado para o vestibular de Ciências Sociais da UERJ, "graças aos amigos livros que tiveram presença constante em minha vida", José confessou ter ampliado a sua auto-estima, o que espera sinceramente que ocorra igualmente com os seus companheiros, aos quais estimula a volta aos estudos. O acervo do Colégio Padre Bruno Trombetta, onde ficará a Sala de Leitura, ganhou mais de mil livros, numa ação que se estenderá por outras penitenciárias, inclusive a penitenciária feminina Talavera Bruce.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro) 12/08/2006