Como o Sant’Ana tem comentado, o ano está terminando sob o signo dessa estranha e perturbadora história das agulhas. Primeiro foi o menino da Bahia, e depois o menino do Maranhão, e mais adiante uma gaúcha de 42 anos que tem 12 agulhas no corpo, resultado da brutalidade de um ex-companheiro. Mais: quando se entra em sites médicos, verifica-se que casos semelhantes não são raros. Encontramos o relato de uma mulher chinesa em cujo corpo foram descobertas – por acaso, durante um exame radiológico – várias agulhas. Resultado, supõe-se, da frustração dos avós com o nascimento da menina: na China, como se sabe, casais podem, em geral, ter um filho só, e torcem para que seja do sexo masculino. No Hospital Geral de Teerã, foi recentemente operada uma mulher de 36 anos que tinha uma agulha no coração; de novo, resultado de violência marital. Os autores deste último artigo encontraram na literatura quase 200 casos de lesões cardíacas causadas por agulhas; e isto, obviamente, é apenas o topo do iceberg.
A agulha de costurar é um objeto milenar. Serve até de metáfora no Evangelho: “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus” ( o “camelo”, a propósito, resulta de um erro de tradução da palavra grega “kámilos”, que significa corda grossa). Muito cedo a agulha foi incorporada à cultura, seja por sua utilidade, seja por seu aspecto simbólico. Agulhas passaram a ser instrumentos de um tratamento, a acupuntura, mas também entraram em procedimentos mágicos, como é o caso do rito vodu, que veio da África e é praticado no Haiti e em outros países: trata-se de enfiar agulhas num boneco que representa a pessoa a quem se quer prejudicar. Daí a usar seres humanos vai apenas um passo, facilitado pelo fato de que, diferente do alfinete, a agulha não tem cabeça (nem, a propósito, as pessoas que praticam esse bárbaro rito). É muito fácil enfiar agulhas no corpo de alguém; sumirão (lembrem-se da expressão “agulha no palheiro”) e praticamente não deixarão marcas externas. Além disso, as agulhas, por sua forma, lembram minúsculos punhais, o que para gente agressiva deve ser um apelo. Sem falar na simbologia fálica da penetração.
Mas a violência desgosta a muitas pessoas, inclusive praticantes do vodu. Por isso, surgiu na internet um site que se propõe a realizar o rito sem usar agulhas (ou alfinetes, ou bonecos). A pessoa inscreve-se ali e fornece o nome de sua potencial vítima. Esta receberá um e-mail do site avisando que foi amaldiçoada; para saber em que consiste a maldição, terá de clicar num link, e aí verá uma efígie que supostamente a representa – crivada de agulhas.
Se o progresso não acaba com a superstição, pelo menos a torna menos perigosa. Sinal de que, apesar de tudo, o mundo melhora, não é mesmo? Feliz 2010.
Zero Hora (RS), 29/12/2009