Dou um doce, dou uma tonelada de doces a quem souber contar direitinho, com algum sentido e sem nenhum preconceito, tudo o que está havendo em matéria de escândalos na vida pública. Poderia parecer um samba do crioulo doido, mas é bem mais do que isso. Na sátira do Ponte Preta, os fatos amontoados eram remotos, misturava Tiradentes, JK e Pedro Álvares Cabral, era um samba realmente doido, mas tinha lá seu método.
Agora não. Tudo está acontecendo às escâncaras, nunca a mídia gastou tanta tinta, papel e energia para informar (e em alguns casos condenar) os culpados, embora os manuais de Redação tenham descoberto a pólvora com o recurso do "suposto". Daqui a meses, ou daqui a anos, todo o rocambole desta ópera sem fim, sem pé e sem cabeça, será uma suposição, não haverá culpados nem inocentes, simplesmente houve um assunto que deu em nada.
Não custa lembrar um exemplo do passado. Na crise que provocou o suicídio de Vargas, o chefe da Guarda Pessoal do Catete foi interrogado pelos militares da República do Galeão e citou diversos nomes como supostos mandantes ou instigantes do atentado que matou um major da Aeronáutica. Quietada a poeira, quando se obteve uma versão coerente para aquele crime, perguntaram a Gregório Fortunato por que citara tantos nomes de personalidades da época. Gregório foi sincero: "Fiz isso para que tudo desse em água de barrela". Não havia pizzas no mercado nacional daquele tempo, prevalecia a expressão "água de barrela".
Apesar dos esforços de Gregório, na crise de 1954 não houve pizza nem água de barrela. Mas se a mídia não ajudou, tampouco atrapalhou as investigações. O caso de agora, sendo menos dramático, tem a agitá-lo um potente ventilador que joga sujeira para todos os lados. E como todos ficam sujos, uns mais, outros menos, a sentença final, nos livros de história, registrará tudo o que está acontecendo como uma suposta crise de um suposto escândalo.
Folha de São Paulo (São Paulo) 13/11/2005