Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Artigos > Afinidades entre o STF e a ABL

Afinidades entre o STF e a ABL

 

A recente sessão solene realizada pelo Supremo Tribunal Federal em homenagem aos 11 acadêmicos que foram também seus ministros serviu, entre outros objetivos, para evidenciar as afinidades de duas instituições com histórias paralelas: a Academia Brasileira de Letras e a nossa Alta Corte de Justiça.


Esses dez ministros-acadêmicos foram: Lúcio de Mendonça, Rodrigo Octávio, João Luís Alves, Pedro Lessa, Ataulfo de Paiva, Aníbal Freire, Cândido Motta Filho, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Oscar Corrêa.


Ao falarmos do Supremo Tribunal Federal e da Academia Brasileira de Letras, temos forçosamente de triangular a análise, acrescentando-lhes as nossas mais tradicionais Arcadas, como as de Olinda e de São Paulo, que foram chamadas também de Faculdades.


As tradicionais cerimônias do ingresso de professores nessas Faculdades assemelham-se às posses na Casa de Machado de Assis, com discurso de recepção e o empossado agradecendo e elogiando o seu antecessor na cadeira. As Faculdades de Direito também se inspiraram nos procedimentos da Academia Francesa, de onde vem toda essa liturgia.


Antônio Cândido observou que as Faculdades de Direito são o berço da cultura literária no Brasil. Em São Paulo, nas Arcadas da entrada e no salão nobre, há placas com nomes, todos, não de juristas, mas de poetas. Em Pernambuco, ainda ecoam as vozes de Castro Alves ou de Carlos Pena Filho pelos corredores da Casa de Tobias Barreto.


O Navio negreiro foi recitado, pela primeira vez, na Faculdade de Direito de São Paulo. O movimento conhecido como Escola do Recife, que Sílvio Romero divide nas fases crítico-filosófica e poética, exponencia nomes como os de Artur Orlando, Clóvis Bevilacqua, Martins Júnior e Graça Aranha, com o orgulho daquela Casa por lá terem passado Rui Barbosa, Teixeira de Freitas, Barão do Rio Branco, Araripe Júnior, Gilberto Amado, Pontes de Miranda e José Lins do Rego, que não eram pernambucanos.


Esses bacharéis-literatos, no esplendor da criação intelectual, chegaram alguns à Academia, outros ao Supremo, ou a ambos. Eram, antes de tudo, humanistas que jamais consentiram no desterro do espírito.


Mas não é somente isso. A Academia e o Supremo mantêm a tradição, que lhes é comum, de se ocuparem de temas de interesse nacional, sem ficarem limitados a questões formalmente mais próprias dos seus objetivos. Tudo por altaneria da consciência.


Essas faces gêmeas das duas instituições ainda estão a merecer uma reflexão mais aprofundada, pois se realizam pelo diálogo informal e não pelo monólogo da distância. Não somos brasilcéticos. Temos paixão futurante.


O Marquês de Caravelas lembrava que dos cursos jurídicos viriam pessoas não apenas habilitadas à administração da Justiça, mas para todas as funções de afirmação nacional.


Provoquei lateralmente o ângulo que associa o Supremo e a Academia, porque o ministro Eros Grau e o acadêmico Alberto Venâncio Filho, oradores oficiais daquela sessão solene, fizeram afirmações importantes. Ambos são adequados representantes das duas instituições, homens do direito e homens da literatura, juristas e escritores, compromissados com o pensamento.


A sessão que trouxe a Academia para esta homenagem no Supremo privilegia a conceituação de cultura. Ali estiveram presentes, como nossos representantes, os acadêmicos José Sarney e Marcos Maciel, senadores, Arnaldo Niskier, Cícero Sandroni, Murilo Melo Filho e Carlos Nejar. A cultura é uma aposta fundamental na modernização do país e um imperativo de afirmação e renovação da nossa identidade.


Aos ministros do Supremo e, em particular, ao seu presidente Nelson Jobim, empenhado pessoalmente para que estivéssemos juntos e unidos naquela tarde, declarei na ocasião que a Academia Brasileira de Letras muito agradecia a honrosa acolhida. Não sei de outra instituição à qual o Supremo tenha prestado homenagem igual àquela. Mas, modéstia à parte, posso dizer que a ABL bem a merece.


Jornal do Brasil (RJ) 5/4/2006