Creio que venho notando claros sinais de que o interesse público pelas CPIs, o mensalão e correlatos tem caído muito, nos últimos dias. Em primeiro lugar, o cheiro de pizza nos envolve as narinas e os que pensavam que iam mudar de cardápio já hesitam sobre se vão querer com calabresa, sem calabresa, ou mista. Não entendo muito de pizza, que costuma saber-me a papelão temperado, mas sei que ela vem aí. Bem verdade que a velocidade das CPIs não é das mais estonteantes, mas no fim vem pizza mesmo, no máximo com um garçom ou dois ficando sem gorjeta por uma semana e um boy de cara para a parede quatro horas. Até o pessoal do boteco, que deu para abandonar as novelas em favor dos canais do governo, está desistindo, não agüenta mais os artistas repetindo as mesmas falas e enrolando o máximo, para continuarem focados pelas câmeras. As cenas de sexo são intensas, é verdade, mas nós estamos sempre ? como direi? - no lado recebente; eu sei que tem quem goste, mas há de cansar um pouco até esses. E ficou clara a necessidade de instituírem, naturalmente que às nossas custas, um curso de artes cênicas para diversos parlamentares. Outro dia, quando uma representanta do povo (eu sei que a palavra não existe dessa forma, mas não convém facilitar, de repente tem uma lei aí que qualifica um casos desses como crime hediondo) passou 15 minutos explicando que ia fazer apenas uma perguntinha e, quando fez a perguntinha, descobriu que ela já tinha sido feita e respondida diversas vezes antes, devo confessar que me decepcionei um pouco com o roteirista.
E, mesmo que não venha muita pizza, o tempo está passando, o inverno vai embora de repente uma hora dessas e como continuar a prestar atenção num festival de sem-vergonhices de resultado já conhecido? Alguém já parou para pensar que o carnaval vem aí? O carnaval, além de estar na alma do brasileiro, tem grande significado econômico, notadamente para estados como o Rio, a Bahia e Pernambuco (não necessariamente nesta ordem, nem esgotando a lista - cartas de protesto para o editor, por caridade). Mal posso esperar o dia, que deve estar bem próximo, em que o presidente mencionará esse fato, provará com estatísticas blindadas (não sei o que é “estatística blindada”, mas também sou filho de Deus e quis usar a palavra da moda) que os maiores carnavais brasileiros foram e serão realizados sob seu governo e sua grande preocupação no momento só pode ser a performance da Gaviões da Fiel nos próximos festejos momescos, não me venham com alienações elitistas. E tem mais: o carnaval vai ser tombado pela Unesco, vai entrar na pauta da Organização Mundial do Comércio (os americanos patentearam o conceito de comissão de frente e os japoneses a marca “trio elétrico”, mais dois rudes golpes capitalistas, que nosso presidente saberá enfrentar, tanto assim que, neste carnaval, em lugar de vir receber vaias na Marquês da Sapucaí, deverá estar dando duro em Paris ou Londres) e vai ser o único carnaval do mundo com certificado ISO, quiçá nos garantindo o almejado assento no Conselho de Segurança da ONU, onde botaremos para quebrar em cima dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Rússia e da China.
Conseqüentemente, não há por que ficar falando nesses problemas que vêm sendo tratados lá em Brasília. Isso pode até assustar os grandes investimentos internacionais que estão sendo feitos aqui, como li num recente estudo de um brasilianista americano, se queixando de que deixamos de lado nossa capital, Buenos Aires, para prestar atenção a Brasília, que não tem nada a ver conosco, como o próprio presidente delicadamente tenta nos mostrar, passando tanto tempo longe dela quanto possível.
E, o que é pior, ficar falando mal do governo vicia. Eu mesmo ia cuidar, como indica o título, de defender os tubarões, mas o vício insiste em atrapalhar. Sim, o tubarão, que bom assunto, não? Como aqueles filmes sobre vida animal que a gente vê nos canais, em vez da vida animalesca a que se assiste nos canais normais. Pois é, num esforço para mudar o astral e mostrar que também sei parar de falar nessas bobagens da rapaziada da política, eu ia entrar num assunto polêmico e lembrar que, como se diz lá em Itaparica, todo dia a gente come o peixe, mas, no dia em que o peixe come um, é um escândalo. Pois é, passo a informação que quem não tem não vai entender como conseguiu passar até hoje sem ela. Estima-se que os tubarões, no mundo todo, ataquem gente umas 60 a 80 vezes por ano. Não conheço os números exatos, mas isto é muito menos do que os cachorros num só dia. Pelo amor de Deus, cachorrófilos, não se trata de insultar os cachorros, é só mostrar que o tubarão não é tão mau assim, embora eu não faça essa questão toda de cumprimentar um pessoalmente. Sem os tubarões, a população de focas, pingüins e outros ictiófagos de responsa (dicionário, dicionário, hoje é domingo, não pensem que esqueci seus deveres de malhação) ia crescer muito, com o resultado de que ia acabar a peixarada dos mares frios e, em última análise, os peixes dos mares mais quentes também.
Por conseguinte, vamos parar de pensar desairosamente sobre os tubarões e vamos lembrá-los como uma garantia de sobrevivência de nossa espécie, não como ameaça. Viram como é fácil esquecer esses problemas brasileiros, grosseiramente exagerados pela imprensa, e discutir assuntos mais construtivos e úteis? Outro dia tentei as rolinhas, mas, como sabem os que acompanharam o caso, fracassei. Hoje, porém, tenho a sensação de que me dei bem. Falei sobre um assunto de que não entendo a não ser de orelhada e que não tem nada a ver com o que está se passando. Que é que vocês estão pensando, o exemplo do Homem está aí mesmo, é só segui-lo que o país vai para a frente.
O Globo (Rio de Janeiro) 11/09/2005