Administrar é ter um olho no programa e dois olhos no propósito. A Academia reivindica, por sua representatividade, que nada pode ser decretado pelo governo do País no âmbito da Cultura sem que passe por esta Casa. Dou exemplos: direito autoral é assunto que deveremos afinar; a Internet não pode aparecer como plataforma hostil ao arrepio dos direitos do usuário; a proteção à obra não pode inibir a sua apropriada divulgação no equilíbrio do interesse econômico e do interesse público. Com isto, digo que a base conceitual no campo dos direitos de autor não caberia mais à superada Convenção de Berna, de 1886.
Como presidente da Academia, no que toca à proteção da propriedade intelectual, manifesto solidariedade à Declaração de Hamburgo, de junho último. Os sites poderosos devem compartilhar recursos econômicos obtidos pela publicidade divulgada em suas páginas de notícias, que usem conteúdo produzido por empresas de comunicação. A Internet deve respeitar a lei.
Estimamos que o autor brasileiro tenha viabilizada sua presença em bibliotecas virtuais, mas respeitada a autoria e quebrada essa quase exclusividade que parece reservada aos USA, Canadá, Reino Unido e Austrália.
A Academia entende que aos intelectuais compete lutar para que se impeça concentração de poder, com amargo sabor totalitário. Democracia não é só o voto na urna mas, igualmente, o acesso quotidiano à justiça e à repartição dos frutos do crescimento econômico e do desenvolvimento social.
Por isso, a legitimidade do protagonismo da Academia permite, sem coerção alguma, nossa autoridade institucional. Somos uma gente portadora de valores compartidos.
Neste século não há lugar para espectadores que não se sintam atores. A Academia não senta na plateia para se ausentar do palco.
Em 2010, a UNESCO vai se dedicar ao que chamou o “Ano da aproximação das Culturas”. Nada mais aliciante. A indiferença no que toca às diferenças culturais mata a capacidade de compreender. A diversidade é fator de enriquecimento mútuo. Nada de amnésia. A memória alimenta a capacidade criadora. Para a melhoria da compreensão mútua temos que aperfeiçoar a capacidade de nos colocarmos no lugar do Outro. Essa compreensão, esse conhecimento, põe-nos aptos a fazer da Cultura um fator de emancipação, de descobrimento, de justiça e de coesão, ensina mestre Guilherme d’ Oliveira Martins, grande intelectual europeu da atualidade.
Amim Maalouf em seu Mundo sem Raízes, admirável obra deste ano, adverte para o risco de confundir a globalização com a uniformização.
No ano vindouro, “Ano das Aproximações”, teremos instigantes datas a comemorar. Entre outros registros, os centenários de Nabuco, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda, Carlos Chagas, Miguel Reale. De Tolstói, sócio correspondente. De Tancredo Neves, sócio da Academia de Minas. De Noel Rosa, acadêmico do samba. Os octogenários Afonso Arinos, filho e José Sarney.
Comemorações que faremos, como é do estilo da Casa, sem zumbaias e foguete de lágrima mas com reflexões sérias, intercâmbios, numa vertente de recriação.
Essas comemorações ornamentarão tudo o mais a se fazer, como ligação da Academia, com a Cultura e a Língua, a língua certa do povo, que vem na forma gostosa de português do Brasil.
Jornal do Commercio (RJ), 31/12/2009