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Adjetivos e centavos

 

Não sei quem inventou que ano novo implica em vida nova. Posso garantir que não fui eu. Sou culpado de outros crimes abomináveis, mas não deste, embora não considere o ditado "ano novo vida nova" um crime, mas uma tolice. E, em ambos os casos, não seriam abomináveis.

Volta e meia me surpreendo pensando nos adjetivos que entram e saem de moda, como as saias das mulheres e as calças dos homens. "Abominável" saiu de circulação, só se aplica para nomear um homem das neves que, como o Papai Noel e o caixa 2 do PT, têm a existência negada - pelos adultos no caso do Papai Noel, pelo pessoal do governo no caso do caixa 2.


Saiu o "abominável" e entrou o "hediondo". Aparentemente, significam a mesma coisa. Aliás, pensando bem, a maior parte dos adjetivos, talvez a totalidade, significa a mesma coisa ou nada significa. É um problema pessoal gostar ou desgostar deles.


Vou contar um caso que me impressiona, digo mais, que me assombra. Um amigo, médico de sucesso, de família rica, arranjou uma namorada e a mulher dele pediu o divórcio. Briga pra lá, briga pra cá, a ex-mulher contratou o melhor advogado em matéria de briga conjugal. Para evitar a chateação (de namorada nova, ele só queria aproveitar a vida), ele ia cedendo tudo o que a ex-mulher pedia ou exigia: casas, terrenos, apólices, ações da dívida pública, um pequeno iate, tudo. Só tentou negociar uma cabana insignificante em Cabo Frio, onde estava aproveitando a citada vida nova com a também nova namorada.


A ex-mulher exigiu a cabana numa petição que o advogado dela lhe enviou. Não foi pela cabana em si: só não perdoou o advogado por haver se referido à cabana como o local em que ele passava "faustosos" fins-de-semana com a amante.


Implicou com esse "faustosos". Implicou tanto que decidiu rever sua posição e voltar atrás em seu desprendimento. Decidiu brigar por metro quadrado de suas casas e de seus centavos. E briga até hoje.


 


Folha de São Paulo (São Paulo) 3/1/2006