Danilo Santos de Miranda foi velado no SESC Pompeia. Ele repousava em um caixão coberto por flores e pela bandeira do Fluminense. Oito meses atrás, na Comedoria, do outro lado, tínhamos comemorado os 80 anos dele. No velório estava quem você imagine que faça parte da cultura. Momento dominado por memórias e casos. Quem não tem uma lembrança deste homem?
Na década de 90, fui chamado para escrever a história dos 50 anos do SESC. Quando Danilo leu a primeira versão, me chamou, cordial. Pediu: “Por favor, menos Danilo, menos, menos.” Além do low-profile, ele não queria criar ressentimentos, uma vez que seu trabalho cultural imprimiu outra cara ao SESC, a ponto dele ser considerado o “recriador” da entidade. Afável, culto, formado em filosofia, bom gestor, quantas vezes ouvimos Danilo ser cogitado para o ministério da cultura? Ele recusou sempre. Sabemos que, ainda hoje, políticos gananciosos procuram se “apoderar do SESC”, o que imagino tenha sido sempre uma lancetada no coração deste homem. No ano de 2.000, quando Ivo Dall Acqua Filho convidou-me para uma fala na inauguração do SESC Araraquara, impossiblitado de ir, mandei um texto gravado em que explicava a Danilo peculiaridades de minha cidade. Como as ruas tendo nome, mas conhecidas só pelo número. Rua Um, Zero, Zerinho e enfim, Zero Zero. Que ali nasceram Ruth Cardoso, Zé Celso, Careca, Rosa Branca, Livio Abramo, Judith Lauand, Zilda Maio. E que lá muitos ainda dizem “ir de fasto” (para trás) em lugar de dar “marcha à ré”. E que em setembro de 1960, Pelé por pouco não cruzou com Sartre em uma esquina, uma lenda. Ivo Dal Acqua disse que Danilo riu, gostou, sentiu-se araraquarense.
Quando em 2018 o SESC Paulista foi reinaugurado, Danilo me pediu para a abertura, um texto narrado do alto do Mirante, contando o significado da região, os palacetes, a nova arquitetura, o centro bancário, os cinemas, o desaparecimento do Palazzo Matarazzo, a profusão de lanchonetes e shoppings, os camelôs.
Ao saber, cerca de dez anos atrás que minha filha Rita Gulo e eu tinhamos criado “Solidão no Fundo da Agulha”, show de histórias e canções interligadas, Danilo nos abriu o SESC, onde Rita já tinha estreiado como cantora no Pompeia. E foram inúmeros os SESCs que percorremos no Brasil. Após um recesso, voltaremos no próximo dia 9, no Pinheiros. Mesmo espaço onde nos despedimos de Danilo e ele de nós e da vida. Sua derradeira aparição em um encontro por ele carinhosamente criado (telefonou pessoalmente para cada um) para comemorar os 60 anos da entidade na luta pelos idosos. No palco, comandados por ele, estavam Fernanda Montenegro, 94, Marika Gidali, bailarina do Stagium, 86, Zezé Motta, 79 anos e eu, 87. Na plateia, 500 pessoas vindas de todos recantos. Ney Matogrosso, 82, fechou a noite. E ali, nós e o Brasil nos despedimos de Danilo.