A ABL não pode se ausentar das evidências do quotidiano. Não nos emociona a busca da celebridade mas a das raízes da cultura, que é, por essência, multicêntrica. Não podemos ser exclusivamente uma agência a pensar a Cultura e a Língua, de forma alienada, devemos ser uma agência, mas desde que inserida no tempo, na circunstância. Uma agência situada. E, para ser assim é preciso a visão complementária e compensatória, pois a Cultura permeia todas as faces do fazer, do pensar. Não se dedica a meras apoteoses.
Somos uma gente com olhos de ver, com ouvidos de ouvir, e só aí falamos, considerando diferenças e diversidades.
A perspectiva é uma das componentes da realidade.
Para tanto a Academia se declara sem medos. Não toleramos espartilho. Nesta Casa há liberdade para pensar e dizer. Temos auto-estima. Temos coragem. Nesta Casa há lugar para discordar contudo jamais habitou nestas paredes quaisquer tipos de menos valia, como sejam, a fraude autoral, a vilania acovardada de anonimatos, a subestimação dos deveres de cidadania.
A Academia é grata a quantos conosco colaboram. Não desconsideramos nunca o contributo interno de cada um dos Acadêmicos, mas queremos sempre agregar mais conhecimento, buscá-los onde esteja a inteligência. Nabuco, no momento seminal, declarou:
“Somos quarenta, não somos os quarenta”
Depois, acrescentou: A Academia deverá ter uma esfera mais lata do que a literatura exclusivamente literária e deve contemplar as superioridades do País.
Por isso, o “Seminário Brasil, brasis”, que a ABL promove, solicita e vem sendo bem atendido, em contar com a presença de saberes vários de especialistas não acadêmicos.
Lembrei Ernst Bloch ao abrir a sessão do “Seminário Brasil, brasis” sobre desafios à natureza. Ele disse: “Se a noite de amor não é clara, o seu fruto é ainda menos claro. A criança no ventre da mãe, o mundo indizível no qual dorme o embrião, as mulheres grávidas levam-no às ruas. O começo de um mundo encontra-se em letargia e abrasa-se aqui numa mulher acordada, mas os ginecologistas não são claros em classificar os mistérios do começo”.
As ciências biológicas avançaram mas o fascínio do mistério do começo de um ser humano enquanto pré-história de um mundo e do mundo continua instigante.
Contar a nossa idade a partir da chegada à luz não mais satisfaz. Já se estava, antes, aqui no escuro do ventre materno. Daquela hora em diante começamos o processo de auto-fazimento. Tal qual qualquer identidade. O mesmo que acontece com a identidade cultural, que não acontece simplesmente. Toda identidade tem que ser construída. O animal chega feito ao mundo. O Homem nasce prematuro, isto é, por se fazer, tendo que aprender tudo. O Homem é um ser histórico-cultural.
“Filogenético ou ontogenético é misterioso o aparecimento da autoconsciência. Quem lembra a primeira vez em que se perguntou:
Eu sou eu?”
No outro extremo, no estuário do rio da vida, está Manuel Bandeira com os seus versos de exponenciais beleza e reflexão sobre a morte e as lágrimas de espanto mais que de saudade, ou do céu que não satisfaz.
Na “Consoada”, ao abandonar a finitude, dura ou meiga, fala de medo quando a indesejada das gentes chegar, e que talvez seja hora de sorrir ou de dizer: alô, iniludível.
Diário de Pernambuco (PE) 3/6/2007